Friday, February 23, 2007

34. Era Uma Vez na América (Sergio Leone, 1984)


O ainda pré-adolescente Noodles espia, de um buraco na parede do banheiro, a estreante (e já linda) Jennifer Connelly ensaiando ballet. Cockeye, com uns dez anos de idade, ainda prefere comer um doce do que a vizinha oferecida. Ao som de Yesterday, dos Beatles, Noodles vira Robert de Niro, a gangue de crianças vira máfia judaica, e a amizade vira desconfiança e traição. É a América perdendo a inocência nesse épico feito por italianos. Não é outro filme americano de gângsters, é um filme de arte europeu, cujo final enigmático pode incomodar quem encara as quase quatro horas de duração. Mas faz todo o sentido do mundo pra quem sabe que o diretor Sergio Leone sempre foi incapaz de fazer qualquer coisa comum e previsível. O filme foi um grande fracasso de bilheteria, e não tinha como ser de outra forma. Era uma vez um gênio.

Monday, January 29, 2007

35. Kill Bill: Vol. 1 (Quentin Tarantino, 2003)


Um antigo provérbio klingon diz que a vingança é um prato que se come frio. Mas isso não justifica o tempo que Kill Bill demorou pra estrear no Brasil. Ainda bem que existe Buenos Aires e eu pude assistir ao filme com apenas dois meses de atraso em relação à estréia americana. Foi de tarde, num cinema meio vazio na Recoleta, que eu vi a primeira parte da vingança da Noiva contra os ex-colegas do Deadly Viper Assassination Squad, e seu líder, David Carradine, o Kane de Kung Fu, também conhecido como Bill. A cena do massacre na Casa das Folhas Azuis, onde Uma Thurman usa um par de tênis Asics amarelo pra combinar com a roupa usada por Bruce Lee em Jogo da Morte, faz respingar sangue no pessoal das primeiras filas. E a luta final contra O-ren Ishii ao som de Please Don’t Let Me Be Misunderstood, do Santa Esmeralda, não deixa dúvidas: era mesmo uma Hattori Hanzo.

Friday, January 12, 2007

36. Fargo (Joel Coen, 1996)


“Aqui está você. E está um lindo dia. Bem, eu simplesmente não entendo.” É o que a policial Marge Gunderson diz para o seqüestrador que ela acabou de prender. Para Marge, não faz sentido as pessoas jogarem a vida fora por ambição. Ela não troca por nada acordar todos os dias ao lado do marido Norm, gordo, careca e simplório, cuja maior ambição é ter uma pintura estampada em selos do correio. Afinal, Norm prepara ovos para ela no café da manhã. Essa defesa da vida ordinária, presente em outros filmes dos irmãos Coen, é o que faz de Fargo uma obra que vai muito além da tradicional história policial de crime e castigo. Os Coen não escondem a sua simpatia pelos americanos simples, que só querem viver sem incomodar ninguém. Enquanto alguns personagens falam de seqüestros, resgate e dinheiro, outros falam sobre o tempo. E como faz frio em Minnesota...

Tuesday, December 12, 2006

37. O Sol é para Todos (Robert Mulligan, 1962)


Esses tempos o American Film Institute escolheu os 50 maiores heróis do cinema. E o primeiro lugar não ficou nem com Indiana Jones nem com James Bond. O maior herói do cinema é um pai de família, que só ousa pegar numa arma pra atirar num cão raivoso que aparece um dia na rua. Atticus Finch é um advogado que mora em uma cidade do sul dos Estados Unidos durante a Grande Depressão. Viúvo, tem que criar o filho Jem e a filha Scout. E defender um negro acusado de estupro por uma típica white trash. A história é contada do ponto-de-vista das crianças. Talvez por isso, Atticus seja mostrado de uma forma tão idealizada. Gregory Peck, ele próprio um exemplo de retidão no mundinho não-tão-santo de Hollywood, entrega uma das maiores atuações do cinema. E nos faz crer que seres humanos perfeitos não existem só na ficção. Eu acredito em Atticus Finch.

Tuesday, December 05, 2006

38. Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980)


Quando Jake La Motta chega ao fundo do poço, ele começa a socar a parede da cela onde está preso. É desse jeito que o boxeador reage a todas as situações na sua vida: com violência. Ok, sejamos justos: nos seus melhores dias, La Motta se limita a ser agressivo. É por isso que ele só se sente em casa dentro do ringue: ali é o único lugar onde a sua verdadeira natureza é aceita e estimulada pela sociedade. Fora do ringue, o touro furioso não se encaixa e vai progressivamente destruindo a única coisa que ainda o caracteriza como um ser humano: a relação com a família. Com a ajuda da fotografia em preto-e-branco e de uma montagem impressionante, as cenas de luta se tornam brutais e realistas. E misturado ao ruído do público sedento de sangue, ouve-se o som de animais. Martin Scorsese nunca foi fã de boxe. Não poderia haver diretor melhor para esse filme.

Monday, November 27, 2006

39. Os Imperdoáveis (Clint Eastwood, 1992)


“É uma coisa horrível matar um homem. Você tira tudo que ele tem e tudo que ele poderia ter.” William Munny sabe disso, mas não hesita em promover sozinho um massacre para livrar a cidadezinha de Big Whiskey, Wyoming, da violência. Esse paradoxo acompanha o filme inteiro. A história se passa em 1880, mas tem uma aura de fábula atemporal. O diretor consegue fazer com que o público perceba os acontecimentos como se deslocados do espaço-tempo, e entenda o filme como um comentário sobre a violência nos nossos dias. Os personagens são ambíguos: ninguém é inteiramente bom ou mau, mas todos têm alguma relação com a violência, pelo simples fato de que não tem como escapar dela. Na primeira cena, um cowboy corta o rosto de uma prostituta com uma faca. Na última, William Munny promove o inferno. Violência gera violência. O filme termina, mas isso não tem fim.

Monday, November 20, 2006

40. Alien, o Oitavo Passageiro (Ridley Scott, 1979)


“Seu grito não poderá ser ouvido no espaço.” A melhor frase já escrita em um cartaz de cinema resume a situação desesperadamente sem saída em que os sete tripulantes da nave-cargueiro Nostromo se metem quando recebem um certo visitante à bordo. Depois de causar uma indigestão fatal no personagem de John Hurt (sou só eu ou ele dá mesmo uma risadinha debochada depois que arrebenta a barriga do cara?), o alienígena vai eliminando, um a um, os nossos heróis. O filme é claramente uma alegoria sobre a exploração dos trabalhadores. Logo na primeira cena com diálogos, há uma discussão sobre salários. A “companhia” determina que o monstrinho seja trazido são e salvo para a Terra, enquanto a tripulação é considerada dispensável. E o próprio alienígena é um parasita que sobrevive às custas da classe operária. Pelo menos até tentar atacar a Sigourney Weaver de calcinha.

Monday, November 13, 2006

41. Cantando na Chuva (Gene Kelly e Stanley Donen, 1952)


“Esse é o único filme que eu tenho em casa. Assisto sempre que estou deprimido.”, diz o personagem de Woody Allen em Crimes e Pecados. Comigo é a mesmíssima coisa. Exceto, é claro, pelo fato de que eu tenho mais 228 filmes em casa. Mas Cantando na Chuva é especial. Não importa o quanto você esteja mal. 102 minutos depois, você é outra pessoa. Não tem Prozac ou livro de auto-ajuda que funcione melhor. Basta ver o inacreditável Donald O’Connor fazendo coisas fisicamente impossíveis enquanto canta “Make ‘Em Laugh”. Ou o trio principal começando o dia da melhor maneira possível com “Good Morning”. Ou Gene Kelly naquele numerozinho com um guarda-chuva. É cinema eufórico, de uma época em que euforia ainda não era contra a lei. Sobre o que é a história? Acredite: isso não tem a menor importância.

Wednesday, November 08, 2006

42. Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971)


Muito horrorshow. É o que o jovem Alex De Large diria desse filme que mostra as sadias aventuras dele e seus drugues, que saem durante a nochy para beber moloko, plucar uns carros, pegar umas devotchkas e praticar um pouco da velha ultra-violência. Apesar de não ser fiel em espírito ao livro de Anthony Burgess (Kubrick mostra uma visão mais política e menos sociológica da história), Laranja Mecânica, o filme, tem qualidades de sobra. A violência de Alex é fichinha perto da perpetrada pelo estado, que tenta privar o nosso herói da sua individualidade. O perfeccionismo do diretor garante que isso tudo seja mostrado com uma direção de arte impecável, uma fotografia rigorosa, e uma trilha sonora que vai da nona de Beethoven a Gene Kelly cantando na chuva. A constante ironia do filme atinge seu ápice quando nos vemos torcendo por um final feliz para Alex que, claro, acontece.

Monday, October 30, 2006

43. Kill Bill: Vol. 2 (Quentin Tarantino, 2004)


A Noiva (aka Black Mamba, aka Beatrix Kiddo) remove os últimos obstáculos para chegar até Bill na segunda e última parte da sua vingança sangrenta. Entre as referências a filmes de kung-fu e western-spaghetti, Tarantino traz seus personagens para um pouco mais perto da realidade. E acabamos vendo que a relação entre Kiddo e Bill é igualzinha à de muitos casais que se amam e se odeiam ao mesmo tempo. A única diferença é que eles foram educados na milenar arte do kung-fu pelo mestre Pai Mei e têm espadas de samurai fabricadas por Hattori Hanzo. O monólogo sobre o Super-Homem transforma David Carradine num grande ator. E numa determinada cena, Michael Madsen diz: “Essa mulher merece a sua vingança. E nós...merecemos morrer.” Quem é apaixonado por cinema, merece esse filme.

Friday, October 27, 2006

44. Sindicato de Ladrões (Elia Kazan, 1954)


No banco de trás de um táxi, Marlon Brando e Rod Steiger colocam tudo em pratos limpos. Terry Malloy, o ex-boxeador vivido por Brando, culpa o irmão Charlie (Steiger) por não ter tido uma carreira no pugilismo, por ter virado um “bum” ao invés de um “contender”. Charlie aceita a culpa em silêncio e logo depois se sacrifica para salvar a vida de Terry, como um pedido de desculpas. O sacrifício do irmão leva Terry a denunciar a corrupção no cais do porto. Décadas depois, numa cerimônia do Oscar, alguns convidados ficaram sentados e em silêncio na homenagem ao diretor Elia Kazan. Nunca perdoaram o diretor por ter denunciado colegas ao comitê de atividades anti-americanas durante o macarthismo. Nunca vão entender que o sentimento de culpa já é a pior das punições. Também nunca vão entender Sindicato de Ladrões.

Thursday, October 19, 2006

45. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Woody Allen, 1977)


“La-di-da”. Por que será que essa frase ficou tão famosa? Até usaram ela para nomear blogs. Pra mim, essa frase pode ter muitos sentidos, pelo menos em Annie Hall, o título original desse filme do Woody Allen. “La-di-da”, dita por Diane Keaton com aquele figurino levemente masculinizado da gravatinha, pode ser um marco da transição entre a mulher-bobinha e a mulher-independente dos anos 70. “La-di-da” também pode ser uma sutil dica de Woody Allen de que os relacionamentos amorosos não precisam das toneladas de complicações com que as pessoas “inteligentes” insistem em soterrá-los. Ou pode, também, no meio de tantos diálogos brilhantes, ser a frase mais memorável justamente por não significar nada. O que importa é que não tem como ver esse filme e não se reconhecer em algum momento. É uma comédia, mas dói. Veja num dia “la-di-da”.

Sunday, October 08, 2006

46. O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939)


Se por acaso eu estivesse sentindo falta de cérebro, coração ou coragem, pegaria a estrada de tijolos amarelos para encontrar o Mágico de Oz, que acabaria me convencendo que eu sempre tive tudo isso. Por exemplo: se eu não tivesse cérebro, não perceberia as qualidades artísticas do filme, muito menos seus significados psicanalíticos (sonhos que revelam nossos medos e desejos mais ocultos) e até políticos (bruxa boa do oeste, bruxa má do leste...). Se eu não tivesse coração, não me emocionaria com a Judy Garland cantando Over the Rainbow, ou quando ela admite para a tia Em que não há lugar como a nossa casa. E finalmente, se me faltasse coragem, não escreveria com todas as letras que O Mágico de Oz, uma produção para crianças, repleta de canções bobinhas e anõezinhos, é um dos melhores filmes de todos os tempos.

47. A Ponte do Rio Kwai (David Lean, 1957)


“Loucura”. Talvez nem fosse necessário que o filme encerrasse com essa palavra. Afinal, loucura é só o que se vê em quase três horas de projeção. O campo japonês de prisioneiros da 2ª Guerra Mundial serve de palco para um embate silencioso e insolúvel entre culturas diferentes, que não tem como acabar bem. Honra e orgulho marcam a relação entre o coronel japonês que comanda o campo e o coronel inglês que lidera os prisioneiros, quando estes são forçados a construir uma ponte de valor estratégico para seus captores. Mostrar a superioridade dos soldados e da engenharia britânica se torna então uma obsessão para o personagem vivido por Alec Guinness. Enquanto isso, o americano William Holden recebe a missão de botar tudo abaixo. A famosa e alegre marchinha que os soldados assobiam no filme alivia um pouco a sensação de que o mundo não tem jeito.

Tuesday, October 03, 2006

48. Blade Runner – O Caçador de Andróides (Ridley Scott, 1982)


Pegue todos os clichês dos film-noir do passado (a femme-fatale, os personagens sórdidos, a narração em off...) e leve-os para o futuro. Mais especificamente para uma Los Angeles de 2019, dominada por chineses e chuva ácida. Inspire-se numa história do gênio Philip K. Dick, onde seres criados pelo homem à sua imagem e semelhança rebelam-se contra o seu criador. Chame Indiana Jones/Han Solo para viver o papel principal, só que num tom mais amargo. Escreva um monólogo inesquecível para o ator holandês Rutger Hauer. Inclua na trama um policial cínico que adora fazer origamis. E as replicantes Sean Young e Daryl Hannah, tão perfeitas quanto a trilha sonora e a direção de arte. Use tudo isso para questionar a condição humana e o sentido da vida. E você vai ter o maior cult-movie de todos os tempos.

Sunday, October 01, 2006

49. O Resgate do Soldado Ryan (Steven Spielberg, 1998)


A primeira vez que eu vi, estranhei. Parecia que Spielberg tinha caído na armadilha fácil da patriotada. Depois comecei a perceber a crítica implícita que o diretor faz à perda de valores da América atual. As cenas que se passam no presente trazem uma certa amargura e a bandeira americana aparece esmaecida. Enquanto o filme mostra o sacrifício de soldados na última guerra justa, envolvidos em uma missão de altíssimo teor moral, fica a pergunta: “valeu a pena tudo isso para criarmos a América fria e corporativa de hoje em dia?”. Claro que isso é uma interpretação minha, e pode ser uma mera justificativa para poder elogiar essa aula de cinema, que mostra um dos maiores diretores americanos no auge da sua forma. Colocar a melhor cena de um filme logo no seu início não é incompetência, mas sim uma genial ousadia.

50. Quanto Mais Quente Melhor (Billy Wilder, 1959)


“Ninguém é perfeito”. A frase final mais famosa do cinema não se aplica ao diretor desse filme. Billy Wilder coloca Jack Lemmon e Tony Curtis dentro de vestidos para escapar de um gângster. E, como Daphne e Josephine, eles acabam entrando para uma orquestra de garotas, da qual faz parte uma tal de Marilyn Monroe. Perto de uma mulher como essa, é quase impossível manter o disfarce. A trama é uma desculpa para falar de um assunto seriíssimo: sexo (e todas as suas variações). E isso nos moralistas anos 50. Coisa de mestre: enquanto os censores vêem uma inocente comédia de erros, os espertos enxergam subversão atrás de subversão, na comédia que ajudou a abrir caminho para os liberais anos 60. Ajudada, é claro, pela caliente cena do tango entre Lemmon e seu pretendente Joe E. Brown. Sim, Billy Wilder é perfeito.

Antes do Top 50...

...vale esclarecer algumas coisas em relação à lista. Filmes lançados a partir de 2005 não entram, porque ainda não passaram por um teste do tempo razoável. Fora isso, a escolha se baseou única e exclusivamente na minha maneira de ver o cinema. Escolhi os filmes que mais me emocionam e me empolgam sempre que eu assisto, pelos motivos mais variados. Os textos vão entregar o final de vários filmes. Se você não quiser ficar sabendo como eles terminam, não leia. Além disso, não há nenhuma contra-indicação.

Obs.: os textos sobre esses filmes serão publicados de forma intercalada com textos sobre outros assuntos.

O filme da moda.

O Diabo Veste Prada é uma das melhores surpresas da temporada primavera-verão. Principalmente para quem não espera muita coisa. Chick-flick ao estilo clássico das comédias com Audrey Hepburn nos anos 50, o filme tem pelo menos uma coisa memorável: a atuação da Meryl Streep. Mas fora isso, ele é todo redondinho, sem nenhum exagero, quase plausível. Ano que vem todo mundo já esqueceu, mas enquanto tá na moda, vale dar uma conferida.